crase

Crase: como e quando usar

A crase costuma dar muita dor de cabeça às pessoas que falam e principalmente escrevem em português. Citei o seu uso no artigo das preposições, mas como é um assunto que assusta muitos, decidi escrever um artigo especialmente para você ensinando como funciona esse pequeno “à”. Vamos aprender!

Guia rápido

O que é Crase?

A crase é a fusão ou a contração de dois fonemas vocálicos idênticos. Este fato é representado pelo acréscimo de um acento grave à vogal a fim de impedir sua repetição desnecessária. O caso mais expressivo de crase, o qual aqui vamos nos referir, é a contração entre letras “as”, veja os exemplos:

Exemplo: Eliza foi à praça do condomínio. (a + a = à)
Se não houvesse crase: Eliza foi a a praça do condomínio.

Note que há fusão entre vogais idênticas, mas que exercem funções bastante diferentes. O primeiro “a” é a preposição exigida pelo verbo “ir”, enquanto o segundo é um artigo admitido pelo substantivo feminino “praça”.

Outra forma de aplicação da crase é:

Exemplo: Silvio entregou os cheques àquele rapaz do escritório. (a + aquele = àquele)
Se não houvesse crase: Silvio entregou os cheques a aquele rapaz do escritório.

Neste segundo exemplo, o primeiro “a” é preposição exigida pelo verbo “entregar”, que se funde com a primeira letra do pronome demonstrativo “aquele”.

Aqui estão os casos de contração entre vogais idênticas tidas como crase:

  • à (em lugar de aa: preposição + artigo feminino singular)
  • às (em lugar de aas: preposição + artigo feminino plural)
  • àquela / àquelas (em vez de aaquela / aaquelas: preposição + pronome demonstrativo)
  • àquele / àqueles (em vez de aaquele / aaqueles: preposição + pronome demonstrativo)
  • àquilo (em lugar de aaquilo: preposição + pronome demonstrativo)

Quando usar?

A crase tem duas grandes utilidades na língua portuguesa: sinalizar a contração de duas vogais idênticas e evitar ambiguidade em expressões. Por isso é uma importante ferramenta interpretativa.

Quanto a fusão, já vimos como acontece, agora, vamos falar sobre evitar duplicidade de sentidos. Cheguei a comentar, no artigo dos advérbios, sobre este uso da crase, principalmente, em expressões que apontam circunstâncias como as locuções adverbiais.

O gramático Napoleão Mendes de Almeida diz não existir obrigatoriedade do uso da crase em locuções adverbiais, prepositivas e conjuntivas, no entanto, quando se faz uso desse acento nestas expressões, tudo se resume a lógica e bom senso. Vou lhe mostrar o porquê!

Locução adverbial:

Exemplo: Peguei a mão.

Na oração apresentada, não é possível afirmar, com certeza, se algo foi pego com a mão ou se o que foi pego era a própria mão. É difícil identificar qual função o “a” desempenha, se de preposição ou de artigo. A mensagem fica confusa. Mas isso pode ser esclarecido facilmente, veja:

Exemplo: Peguei à mão.

Nesta sentença a informação fica bem mais clara, pois o acento grave, que identifica a crase, permite interpretar que “mão” não é objeto direto de “pegar”, todavia é o modo como foi pego algo: com a mão. Perceba que nesse caso, a preposição “a” pode ser substituída por outra, como: “na” ou “com a”.

Outra maneira de evitar confusão seria:

Exemplo: Peguei-o a mão.

Aqui, o uso da crase não se faz necessário e passa a ser facultativo, dado que fica claro o que exerce função de que dentro da oração. O verbo “pegar” tem como objeto direto o pronome oblíquo “o” enquanto a expressão “a mão” é, nitidamente, locução adverbial referindo-se à forma como o objeto foi pego.

Locução prepositiva:

Usadas para conectar palavras, essas locuções recebem crase quando se enquadram nas regras. Acompanhe as explicações:

Exemplo: Os jogadores estavam a par das das regras.

Nesta expressão, não cabe crase porque a palavra “par” é masculina e exigiria artigo “o” também no masculino. Portanto esse “a” só pode ser preposição, se houvesse presença de artigo a expressão mudaria completamente de forma e de sentido:

Exemplo: Nossa moeda está ao par do dólar? (ao par de: significado de equivalência)

Note que a estrutura toda foi alterada e passa outra mensagem. “Ao par de” é uma expressão muito usada no âmbito econômico para fazer referência a objetos ou coisas que se equivalem em valor.

Locuções prepositivas que usam crase:

Exemplo: Os filhos viviam à custa do trabalho da mãe.

Na locução prepositiva “à custa de” a crase é utilizada de acordo com a regra. A preposição antecede um substantivo feminino que admite artigo feminino, portanto ela contribui também para a clareza da mensagem a ser passada.

Locução conjuntiva:

Formada por conjunções, são expressões utilizadas para conectar orações. Como locuções conjuntivas “à proporção que” e “à medida que” recebem crase pelo mesmo motivo anteriormente explicado, presença de preposição seguida por palavra feminina. Veja os exemplos:

Exemplo: Ele via melhor a medida que se adaptava.
Exemplo: Ele via melhor à medida que se adaptava.

Na primeira frase é difícil identificar qual é a informação a ser transmitida se “ele via melhor a medida à qual se adaptava” ou “ele via melhor ao passo que se adaptava”. Essa dúvida é sanada na segunda oração, porque a crase garante que há preposição na estrutura e mostra que se trata de uma expressão de proporcionalidade.

Regras da crase:

Existem três regras básicas que auxiliam identificar se há ou não crase em uma expressão. Se você identificar que o “a” analisado se encaixa nessa regras, então esteja certo que é um caso de crase.

1º regra: só se usa crase antes de palavra feminina.

Exemplo: Fui à festa de casamento.

Um modo bastante prático de testar a regra é substituir a palavra feminina por uma masculina, se a preposição for substituída por “ao” durante o processo, então haverá crase. Outra forma seria substituir o “a” por outra preposição como: para, na, com a, etc. Se couber outra preposição no lugar de “a” este deve ser craseado.

Vamos aproveitar o exemplo anterior:

  • Fui à festa de casamento — troca festa por baile — Fui ao baile de formatura.
  • Fui à festa de casamento — troca por outra preposição — Fui para a festa de casamento.

Importante: é por essa regra que não se aceita crase diante de verbos, pois eles são palavras do gênero masculino.

2º regra: a palavra anterior à crase deve exigir preposição “a”.

Exemplo: Agradeça a seus tios o jantar.

Há palavras, que devido à própria regência, exigem a preposição “a” para se conectarem dentro de um contexto. No exemplo, tem-se a palavra “agradecer” que normalmente exige dois tipos de complementos um direto e um indireto.

Explicação: : quem agradece, agradece algo a alguém.

3º regra: a palavra seguinte à preposição deve admitir artigo feminino “a”.

Exemplo: Já fomos a Fortaleza ano passado, neste ano, vamos à Bahia.

Assim como há palavras que exigem preposição para se conectarem, existem outras que não admitem presença de artigo. Fortaleza é um nome que não aceita artigo, já Bahia é um substantivo que aceita o uso do artigo feminino. Não se diz “A Fortaleza é uma bela capital”, porém pode se dizer “A Bahia é um lindo estado”.

Quando uma palavra não admite artigo feminino é desnecessário crasear o “a” diante dela, porque só há possibilidade deste ser uma preposição como no exemplo de “Fortaleza”.

Dúvidas frequentes:

Fiz uma lista prática, com dicas e explicações muito breves, para você aproveitar e consultar quando necessário. São situações de crase que frequentemente geram dúvidas nos leitores, espero que seja de grande utilidade, vamos lá!

Como usar a crase:

Com a palavra Casa: quando tem sentido de residência, morada, lar, domicílio, este vocábulo não aceita o emprego do artigo feminino, portanto o “a” que o antecede só pode ser preposição.

Exemplos: Vim de casa. / Vim em casa / Vim a casa.

O uso das preposições “de” e “em” demonstra a inexistência de artigo feminino para referir-se a casa, assim, faz-se desnecessária crase.

Exemplos: Venho da casa de Júlia. / Venho à casa de Júlia.

Neste exemplo, há uma diferença, mas não há motivos para confusão, existe uma justificativa aceitável para presença da crase. Veja que casa, na primeira oração, está determinada pela preposição mais artigo (de + a), por isso se aceita crase na segunda oração, para manter a determinação de “casa”, ou seja, ficar claro que se vai para a casa de alguém.

Com a palavra Terra: bem parecido com casa, Terra é um termo, que quando tem sentido de terra firme, chão, em contrariedade com água e mar, suprime o artigo feminino.

Exemplo: Estivemos em terra há dois meses.
Exemplo: Chegaremos a terra ainda esta semana. (não há necessidade de crase)

Com horas: usa-se crase para se referir a horas determinadas.

Exemplo: O dentista chega às 14h.
Exemplo: O zelador sai às nove.

Com palavras repetidas: não se usa crase entre palavras repetidas.

Exemplo: Eles ficaram cara a cara e disputaram olho a olho.

Note que na expressão com palavras masculinas o “a” não sofreu alteração para “ao”, porque em ambas as estruturas ele é puramente preposição. Logo, o “a” da expressão feminina também não será craseado.

Com a palavra moda: usa-se crase quando a palavra moda é subtendida pela preposição “a”.

Exemplo: O cenário e as roupas eram a moda Luís XV. (sem supressão da palavra moda)

Exemplo: O cenário e as roupas eram à Luís XV. (suprimiu-se a palavra moda)

Com pronomes: não se usa crase diante de pronomes pessoais, indefinido e interrogativo, salvo exceções dos pronomes relativo “a qual” e demonstrativos “aquele”, “aquela” e “aquilo” já apresentados aqui. No caso de pronomes possessivos uso da crase é facultativo.

Exemplo: A blusa, à qual me referi, é azul.
Exemplo: O óculos, ao qual me refiro, é de sol.

Com pronomes de tratamento: não se admite crase.

Exemplo: Trouxeram presentes a Vossa Majestade.
Exemplo: Entregaram cartas a Sua Senhoria.

Com a palavra uma: admite-se a crase só quando “uma” desempenhar papel de numeral, caso contrário, o “a” antes de “uma” será apenas preposição.

Exemplo: Chegaremos à uma hora da tarde. (numeral)
Exemplo: Levei o recado a uma moça. – no masculino – Levei o recado a um rapaz. (artigo indefinido)

Com nomes próprios femininos: o uso da crase é ferramenta de interpretação referente à proximidade entre quem escreve ou fala e a pessoa da qual se fala. O mais importante, é saber que com nomes de figuras femininas célebres não se aceita crase, veja:

Exemplo: Fátima é nossa amiga. Você emprestou dinheiro à Fátima. (nesse caso, você conhece Fátima e a crase serve para enfatizar essa relação de proximidade)

Exemplo: Não deram opções a Joana d’Arc. (Esta é uma pessoa célebre, por isso não se usa crase)

Com substantivos femininos no plural: não se usa crase se não há artigo feminino no plural para admitir a fusão entre as vogais. Entenda:

Exemplo: Devido a circunstâncias inesperadas, o show foi adiado. (preposição sem artigo no plural não leva crase)

Exemplo: Devido às greves, os serviços foram suspensos. (há preposição e artigo no plural (a + as = às)

Com a preposição até: não é necessário usar crase quando a preposição “a” formar locução prepositiva com “até”, está correto assim: Eles foram até a loja.

Com a expressão à vista: em sentido de ao alcance da visão, no sentido de“diante de”, aplica-se a crase: Terra à vista; Eles estavam à vista de todos. Em antagonismo a expressão “a prazo” é culturalmente escrita com crase também “à vista”: Ela pagou à vista.

Resumindo…

Neste artigo, você aprendeu que a crase é o acento grave que representa a fusão de duas vogais idênticas e impede a repetição desnecessária dessas letras. A crase ocorre, principalmente, entre a preposição “a” e o artigo feminino “a” – ou com os pronomes demonstrativos. Também é utilizada como importante ferramenta de clareza na língua.

Parabéns por chegar ao final desta postagem, é um assunto que assusta muitos e fico feliz que tenha me acompanhado até aqui. Agradeço a companhia e espero que o conteúdo seja de grande valia para você.

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